20.03.17 |Começo do Outono no Hemisfério Sul
Arquivo Pessoal |
O Outono é a estação que intercala verão e inverno. Através dele passamos por essa mudança de forma gradativa. Na medida em que a luz solar diminui no decorrer do dia, os dias ficam mais curtos e as noites mais longas. Através da redução da radiação solar no hemisfério da Terra outras mudanças acontecem: começa a ventar, a temperatura diminui, as folhas mudam a sua tonalidade - do verde ao amarelado-marrom - e caem.
A natureza anuncia:
É tempo de transição entre o calor que nos levava à exposição para o resfriamento; que nos convida a aquecermo-nos nos espaços internos.
É tempo de despedida do verde intenso, de deixar as folhas caírem, já que não há tanta luz solar para nutri-las.
É preciso poupar energia! Mais que isso, é preciso concentrá-la nas raízes: que mantém a árvore viva, ainda que todas as folhas caiam... Ainda que sua aparência inspire ausência de vida... Morte.
O Outono é parte do ciclo vital da natureza. Conta que a poda é necessária para o crescimento da planta. Mostra que a natureza sabe deixar as folhas que possuía para poupar energia, para fortalecer suas raízes em um preparo singular para as estações que estão por vir.
Flora Forager |
Quantas vezes em nossas vidas somos convidados a deixar nossos folhas caírem?
Por quantos Outonos já passamos e continuamos de pé?
Ao longo do nosso desenvolvimento humano, físico e emocional, somos convidados a passar pelo Outono. Algumas vezes o Outono nos chega sem nenhum anúncio, sem que possamos escolher querermos ou não passar por ele. Outras vezes, sentimos a necessidade de desapegar das folhas que possuíamos.
Como é difícil vivenciá-lo e aceitá-lo quando a abundância das flores e o calor do verão estavam tão confortáveis... Quando não foi nossa escolha. Quando a força da natureza e dos acontecimentos externos nos lançam no movimento do ciclo.
Como é difícil, também, escolher desapegar daquilo que já era conhecido para recolher-se e ficar somente com a essência, com a vida que se mantém invisível à forma, ao externo.
É uma travessia que cada um deve fazer por si mesmo. Alguns temem a solidão. Outros, não confiam na força das próprias raízes ou desesperam-se com a dor da perda de pedaços de si.
O surpreendente é descobrir que o mundo nos oferece respaldo e companhia, o tempo todo. É olhar para o lado e sentir-se acompanhado: pela arte, pela natureza, pelas histórias, pelos heróis, pelos mitos...
"Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura,
pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas que seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um Deus.
E lá, onde esperávamos matar alguém, mataríamos a nós mesmos.
Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro de nossa própria existência.
E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo"
Joseph Campbell - A Saga do Herói
O Poder do Mito
Campbell nos conta com profundidade sobre os medos dessa aventura, do sacrifício necessário, da morte de algo em nós mesmos. Tudo a serviço do encontro de cada um consigo mesmo, da transformação, do amadurecimento.
Mensagem que também está contida no ditame grego:
Abandona o que possuis e receberás.
Ou em poesia de Adélia Prado:
Eu sempre sonho que uma coisa gera, nada está morto;
O que parece vivo aduba; o que parece estático, espera.
Assim, vamos recolhendo do mundo referências para transitar pelos Outonos da alma. Para Hillman (1983) essa é uma necessidade da psique. É preciso criar imagens e metáforas, pois elas são o canal de tradução dos eventos da vida em alma.
Que a natureza acalme nossa angústia da perda ao anunciar o seu propósito. Ao confirmar que a vida permanece, mesmo que seja necessário perdemos nossas folhas ao longo do desenvolvimento. Ao revelar a importância da concentração da energia na raiz, naquilo que nutre e ancora. Ao garantir que depois do Outono, vem o Inverno e depois a Primavera e o Verão.
Que os provérbios e ditados nos tragam confiança para nos entregarmos ao abandono.
Que a arte e a poesia nos revelem a beleza de cada estação e nos ajude a transitar com leveza por elas.
Arquivo Pessoal |
*Referências:
Hillman, J. Psicologia Arquetípica: um breve relato. São Paulo: Cultrix, 1983.